MONÓLOGO DE UM CHAPARRO
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Estiolo no redil dos dôtores
onde as intlegências dã flor e frutes
e onde há penedos e quintas p' alumiar amores
e promovê poetas.
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Mas ê cá sô alentejano
e daí que na m’ aveze a estas cavlarias
de subir e descê ladêras,
onde há precisã de esperá p’la noiti
ô de dar um tiro na cornadura
pa s' ouvi falar a quietudi. 
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Como pode um home,
Avezado a verter águas na trasêra dos sobrêros,
Afazê-se às lides da cidade apadralhada
Das capas e batinas? 
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Nasci da charneca
(foi uma alentejana que me pariu)
e cresci como um chaparro.
Sem relógios.
Saltê p'à garupa do Tempo
e acostumê-me a sabê esperari. 
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Mas aqui d’ assim, estes pacóvios
(espertos que nim sobro atascado em água)
na dã credo a isso.
Di e noite atrelados ós pontêros
que nim parelha à charrua!
Homes d’ uma figa,
conhecim melhor as horas c' o cã o dono! 
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Ma n' é só isso que m' infada
Da capital do Bazófias. Antes fora!...
C’o qu' ê n’ atino,
Nim que m´afocinhim numa cama de tojes,
é c’os desrespêtos à Natureza,
minha senhora e minha mãe.
E atã na é que n’ há aqui filhe da puta
que na bote a boca acima da vista?
Eh! Homes dum corno,
Sã piores c' uma vaca a ruminá palha!
Inda s’ aquilo desse vazão alguma inquietação…
Ma não, só dá vazão às letras e a miolêra da genti.
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E atã vá-se lá um home ingraçá duma cachopa!...
Já nim sê mêmo pa que Deus fez as fêmeas…
A fêtura dum só sempe dava menos trabalhos
e n’ alevantava desejos.
Se por casa da cobrição,
Os animais tamém tivessim precisã de benzeduras,
já há munto c'os bácros tinhim dêxado de comê landi. 
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Mas estes fadistas letrados
Ô po munto lerim
ô po falta de descorrimento,
na têim a mêma ideia.
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Mas ê cá continuo c’a minha crença
De que há-de chegar o dia em c' os homes aprendrão
Que na é o home que muda a Natureza,
mas a Natureza que se muda a ela mêmo,
pôs o home tamém é Natureza.
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A-i-ô!
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Coimbra, 14 de Janeiro de 1980

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CANTO

Canto
como quem fala só no escuro
p'ra não tremer

E o canto
é muro
onde me escondo sem me ver

Coimbra, 1981