A CIGARRA E O SARDÃO[*]

I

Sou soldado
em terra alheia

Ergo com as pedras
que piso
o castelo do meu poder
Sou o rei
do teu destino
e escravo
do meu senhor

Tenho um hino
e uma bandeira
que ecoa
e que esvoaça
sobre os destroços da proa
dum navio abalroado

Trago nas mãos
esta sina
de crescer como a semente
enterrada
por intrusos
nas margens dum afluente

II

filho do sobreiro
e da charneca
trago no canto
o cheiro
do alecrim
*****se no campo
*****o morteiro
*****arde e peca
do canto
cresce o manto
que há em mim

e do grito
semeado
em cada palmo de chão
nasce o mito
dum soldado
brota a letra da canção:

«trovador e peregrino
na guerra sou figurante
exorcista militante
dos possessos do destino
»

III

Sou soldado
e sou poeta

abarco numa só mão
a cigarra e o sardão

Santa Margarida, Fevereiro 84


[*] Publicado in Revista CADERNOS DE LITERATURA, nº18, 1984