A UM POETA

A Antero de Quental


“Surge et ambula!"
[*]

Recolheste-te no teu casulo
E aí ficaste
E não te transformaste
Prisioneiro de ti próprio
Tens na palavra a tua única companhia
Sem outro destinatário
Escreves em voz alta para te ouvires
E sentires que estás vivo
Mas efectivamente já não estás
Apodreces com as palavras
No canto do túmulo que te embala
A vida é partilha e combate
E o teu canto
Tem o cheiro impenetrável do sepulcro

Acorda!
Abre as janelas do teu quarto!
Areja as palavras
E sacode-lhes o pó!
(Já ninguém veste palavras
Com cheiro a mofo)
Vamos!
Incendeia a noite
Com a chama das tuas palavras!
Alumia-nos o caminho!

Faz com que a poesia volte a ser
De novo
Festa e conquista

Ponte de Sor, 10/4/1999


[*] «Levanta-te e anda!»